A pesquisa sobre como a negatividade, especialmente o hábito de reclamar, afeta o cérebro, baseia-se fundamentalmente nos princípios da neuroplasticidade, popularizados por Donald Hebb e aplicados ao contexto das emoções negativas por pensadores como Steven Parton. Este artigo compila os conceitos principais, exemplos práticos relevante sobre o tema.
Conceitos Principais (Baseados em Hebb e Parton)
-
Neuroplasticidade: É a capacidade fundamental do cérebro de se reorganizar, modificar sua estrutura e função em resposta a experiências, pensamentos e emoções. O cérebro não é uma estrutura fixa, mas sim dinâmica e adaptável.
-
Princípio de Hebb (Lei de Hebb): Formulado por Donald Hebb em 1949, este princípio é frequentemente resumido como “neurônios que disparam juntos, se conectam juntos” (neurons that fire together, wire together). Isso significa que quando dois neurônios são ativados repetidamente ao mesmo tempo, a conexão (sinapse) entre eles se fortalece. A transmissão de informações entre eles torna-se mais eficiente e provável no futuro.
-
Aplicação à Negatividade (Steven Parton): Steven Parton, um filósofo e cientista, aplicou o princípio de Hebb para explicar o impacto da negatividade e das reclamações crônicas. A ideia central é que:
- Pensamentos e Emoções como Atividade Neural: Cada pensamento ou emoção corresponde a um padrão específico de ativação neural no cérebro.
- Reforço de Vias Negativas: Quando uma pessoa se engaja repetidamente em pensamentos negativos ou reclamações, os neurônios envolvidos nesses padrões disparam juntos consistentemente. De acordo com o princípio de Hebb, as conexões entre esses neurônios se fortalecem.
- Alteração Física do Cérebro: Esse fortalecimento não é apenas funcional, mas envolve mudanças físicas na estrutura das sinapses. O cérebro, através da neuroplasticidade, se adapta para tornar esses padrões de pensamento negativo mais fáceis e automáticos.
- Criação de um “Viés Negativo”: Com o tempo, o cérebro fica “programado” para a negatividade. Torna-se mais fácil e rápido acessar pensamentos e emoções negativas do que positivas, pois as vias neurais correspondentes estão mais bem estabelecidas e eficientes.
- Ciclo Vicioso: Reclamar ou pensar negativamente fortalece as vias neurais da negatividade, o que, por sua vez, torna mais provável que a pessoa reclame ou pense negativamente no futuro, criando um ciclo que se auto-reforça.
-
Impacto no Corpo: Parton e outros sugerem que essa alteração cerebral não se limita à mente. O estresse crônico associado à negatividade constante pode levar à liberação excessiva de cortisol, o que pode prejudicar o sistema imunológico, aumentar a pressão arterial e ter outros efeitos deletérios na saúde física.
-
Consciência e Intervenção: Apesar desse mecanismo de reforço, a neuroplasticidade também funciona na direção oposta. Parton enfatiza que, por sermos conscientes, temos a capacidade de intervir nesse ciclo. Ao escolher conscientemente focar em pensamentos e emoções positivas (gratidão, otimismo, etc.), podemos ativar diferentes vias neurais. Com a repetição, essas vias positivas também podem ser fortalecidas, enfraquecendo gradualmente as vias negativas e reconfigurando o cérebro para um estado mais positivo.
Exemplos Práticos: Como a Negatividade Modifica o Cérebro
Com base nos princípios da neuroplasticidade e na Lei de Hebb, o hábito de focar na negatividade ou reclamar constantemente leva a mudanças concretas no cérebro. Aqui estão alguns exemplos práticos de como isso acontece:
-
Ruminação sobre Erros Passados:
- Cenário: Uma pessoa cometeu um erro no trabalho e passa dias repassando mentalmente o que aconteceu, focando na vergonha, no medo das consequências e na autocrítica.
- Impacto Cerebral: Cada vez que a pessoa rumina, os neurônios associados a essas memórias, emoções negativas (medo, vergonha) e pensamentos autocríticos (“sou um fracasso”) disparam juntos. Isso fortalece as conexões entre eles. Com o tempo, essa via neural torna-se mais eficiente. Em situações futuras de desafio ou erro, o cérebro acessará mais rapidamente esse padrão de ruminação e autocrítica.
-
Reclamação Crônica sobre o Trânsito:
- Cenário: Alguém que enfrenta trânsito diariamente e reclama constantemente sobre a lentidão, os outros motoristas e o tempo perdido.
- Impacto Cerebral: O ato de reclamar ativa circuitos neurais ligados à frustração, raiva e estresse. A repetição diária fortalece essas conexões. O cérebro aprende a associar “dirigir” ou “trânsito” diretamente a essas emoções negativas. Isso pode levar a um aumento crônico nos níveis de cortisol (hormônio do estresse) durante o trajeto e tornar a pessoa mais propensa a reagir com raiva a pequenos inconvenientes no trânsito.
-
Foco em Notícias Negativas:
- Cenário: Uma pessoa consome excessivamente notícias sobre crimes, desastres e crises políticas, focando nos aspectos mais sombrios.
- Impacto Cerebral: A exposição constante a informações ameaçadoras fortalece as vias neurais relacionadas ao medo e à ansiedade (como a amígdala). O cérebro pode desenvolver um “viés de negatividade” amplificado, tornando-se hipervigilante a possíveis ameaças no ambiente e interpretando situações neutras como potencialmente perigosas. Isso pode contribuir para um estado de ansiedade generalizada.
-
Crítica Constante em Relacionamentos:
- Cenário: Em um relacionamento, uma pessoa foca e verbaliza constantemente os defeitos e erros do parceiro.
- Impacto Cerebral: O cérebro da pessoa que critica fortalece as vias neurais associadas à insatisfação, julgamento e emoções negativas em relação ao parceiro. Torna-se mais fácil notar e focar nos aspectos negativos do que nos positivos. No cérebro de quem é criticado, a exposição repetida à crítica pode fortalecer vias ligadas à insegurança, tristeza ou ressentimento.
-
Pessimismo como Hábito Mental:
- Cenário: Uma pessoa que consistentemente espera o pior resultado em qualquer situação (“Não vai dar certo”, “Algo ruim vai acontecer”).
- Impacto Cerebral: Esse padrão de pensamento ativa repetidamente circuitos neurais associados à antecipação de ameaças e à desesperança. O cérebro se torna mais eficiente em gerar esses pensamentos pessimistas, tornando o otimismo ou a busca por soluções menos prováveis ou mais difíceis de acessar mentalmente.
O Lado Positivo da Neuroplasticidade:
É crucial lembrar que a neuroplasticidade funciona nos dois sentidos. Assim como a negatividade fortalece vias negativas, práticas conscientes podem fortalecer vias positivas:
- Prática da Gratidão: Focar diariamente em coisas pelas quais se é grato fortalece circuitos ligados ao bem-estar e emoções positivas.
- Mindfulness e Meditação: Treinar a atenção plena pode ajudar a observar pensamentos negativos sem se engajar neles, enfraquecendo gradualmente sua dominância.
- Reenquadramento Cognitivo: Aprender a reinterpretar situações desafiadoras de forma mais construtiva cria e fortalece novas vias neurais mais adaptativas.
Esses exemplos ilustram como pensamentos e hábitos emocionais não são apenas experiências passageiras, mas processos ativos que moldam fisicamente a estrutura e o funcionamento do cérebro ao longo do tempo.
Bibliografia
-
- Meon. (2024, 30 de outubro). O impacto negativo das reclamações no cérebro e no corpo. Meon. https://www.meon.com.br/saude/o-impacto-negativo-das-reclamacoes-no-cerebro-e-no-corpo
- Amigos Múltiplos. (s.d.) . Ciência explica porque reclamar altera negativamente o cérebro. Amigos Múltiplos. https://amigosmultiplos.org.br/noticia/ciencia-explica-porque-reclamar-altera-negativamente-cerebro/
- Marques, J. R. (2025, 2 de janeiro) . O hábito de reclamar adoece o seu cérebro. JRM Coaching. https://jrmcoaching.com.br/blog/habito-de-reclamar/
- Difusora 95. (2024, 24 de outubro) . Cientista explica como hábitos de reclamar modificam nosso cérebro. Difusora 95 FM. https://difusora95.com.br/noticias/cientista-explica-como-habitos-de-reclamar-modificam-nosso-cerebro/
- Bossa News. (2024, 18 de outubro) . Cientista explica como hábitos de reclamar modificam nosso cérebro. Bossa News. https://br.bossanews.com/ciencias/cientista-explica-como-habitos-de-reclamar-modificam-nosso-cerebro/
-
- Hebb, D. O. (1949). The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory. Wiley.
- Wikipédia. (s.d.). Teoria hebbiana. Wikipédia, a enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_hebbiana
- O Futuro das Coisas. (2018, 2 de abril) . Teoria revolucionária diz que o cérebro aprende de forma completamente diferente do que supomos. https://ofuturodascoisas.com/teoria-revolucionaria-diz-que-o-cerebro-aprende-de-forma-completamente-diferente-do-que-supomos/
- Reconhecer o Padrão. (2024, 17 de janeiro) . Neuroplasticidade. https://reconheceropadrao.pt/2024/01/17/neuroplasticidade/
- Fregni, F., & Pascual-Leone, A. (2007) . Neuroplasticidade. Revista Brasileira de Psiquiatria, 29(Supl II), S58-S67. (Exemplo de artigo que pode discutir Hebb no contexto da neuroplasticidade)
- Hebb, D. O. (1949). The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory. Wiley.