Baseado na tese premiada do Dr. Luiz Carlos Farrahil
O que você vai descobrir neste artigo:
- Como o TDAH se transforma ao longo da vida
- Por que pessoas com TDAH têm maior risco de desenvolver depressão
- Quais medicamentos funcionam melhor e em quais doses
- O que a genética nos revela sobre as causas do transtorno
- Novidades no tratamento de crianças pequenas
Entendendo o TDAH: mais que apenas “falta de atenção”
Você provavelmente já ouviu falar do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Talvez conheça alguém que tenha recebido esse diagnóstico ou até mesmo você se identifique com os sintomas. Mas o que realmente sabemos sobre essa condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo?
Uma pesquisa brasileira premiada pela CAPES e USP, conduzida pelo Dr. Luiz Carlos Farrahil, traz novos e importantes avanços no entendimento desse transtorno. Vamos explorar suas descobertas de forma simples e prática.
O TDAH muda conforme crescemos
Um dos aspectos mais interessantes revelados pela pesquisa é como o TDAH se manifesta diferentemente ao longo da vida:
- Na primeira infância: predomina a hiperatividade e impulsividade. A criança parece estar “com pilhas”, não para quieta, interrompe os outros e tem dificuldade para esperar sua vez.
- Na idade escolar: surgem mais claramente os problemas de atenção. A criança tem dificuldade para se concentrar nas tarefas, esquece compromissos, perde materiais e parece não ouvir quando alguém fala diretamente com ela.
- Na adolescência e vida adulta: os sintomas podem ficar menos visíveis externamente, mas se transformam em uma “inquietude interna” e problemas na função executiva do cérebro (planejamento, organização, gerenciamento do tempo).
Exemplo prático: João, aos 4 anos, era conhecido como “furacãozinho” na escolinha. Aos 10, seus professores diziam que ele era inteligente, mas “vivia no mundo da lua”. Agora, aos 25, João não é mais hiperativo fisicamente, mas descreve uma “mente que não desliga” e constante procrastinação nos estudos e trabalho.
Um problema identificado pelo Dr. Farrahil é que os critérios diagnósticos atuais são baseados principalmente no perfil de meninos em idade escolar. Isso explica por que muitas meninas e adultos acabam não sendo diagnosticados corretamente.
TDAH e depressão: uma conexão preocupante
Um dos estudos mais importantes da tese analisou a relação entre TDAH e depressão. Os resultados são alarmantes: pessoas com TDAH têm risco duas vezes maior de desenvolver depressão ao longo da vida.
O mais interessante é entender por que isso acontece. Usando dados de acompanhamento de longo prazo de pessoas no Reino Unido, o estudo descobriu que essa conexão é mediada por:
- Dificuldades para regular emoções
- Problemas nos relacionamentos sociais
- Desafios acadêmicos e profissionais
Exemplo prático: Ana, diagnosticada com TDAH aos 8 anos, enfrentou rejeição de colegas por ser “diferente” e tinha explosões emocionais frequentes quando frustrada. Na adolescência, começou a se sentir cada vez mais triste e desanimada após anos de dificuldades escolares e sociais. Um tratamento que abordou não apenas seus sintomas de TDAH, mas também essas consequências socioemocionais, ajudou a prevenir o desenvolvimento de um quadro depressivo mais grave.
Tratamentos que funcionam: a questão da dose certa
A pesquisa trouxe boas notícias sobre o tratamento do TDAH com medicamentos estimulantes (como o metilfenidato):
- Alta eficácia comprovada: os estimulantes têm efeito considerado “forte” do ponto de vista estatístico (Cohen’s d > 0,8) em crianças e adolescentes.
- Doses mais altas podem ser melhores: quando bem toleradas, doses mais elevadas estão associadas a maior eficácia e menor probabilidade de descontinuação do tratamento.
- Adultos podem precisar de doses maiores: muitos adultos se beneficiam de doses acima das recomendações padrão, embora isso possa aumentar o risco de efeitos colaterais.
Exemplo prático: Carlos, 35 anos, começou o tratamento com a dose padrão de metilfenidato, mas continuava com dificuldades significativas no trabalho. Após ajuste gradual para uma dose mais alta, supervisionada por seu médico, relatou melhora substancial na concentração e produtividade, com efeitos colaterais mínimos.
TDAH em crianças pequenas: é possível tratar?
Uma dúvida comum entre pais e profissionais é sobre o tratamento do TDAH em crianças menores de 6 anos. A revisão sistemática do Dr. Farrahil incluiu cinco estudos científicos sobre o tema e concluiu que:
- Medicamentos estimulantes têm efeito moderado em pré-escolares
- Os estudos são consistentes entre si, com baixa heterogeneidade
- O risco de viés (problemas metodológicos) nas pesquisas é baixo
Exemplo prático: Sofia, 5 anos, apresentava TDAH com sintomas graves que comprometiam seu desenvolvimento e aprendizado. Após avaliação cuidadosa, iniciou tratamento com dose baixa de estimulante, com acompanhamento médico rigoroso. Seus pais e professores notaram melhora significativa em sua capacidade de participar das atividades e interagir com outras crianças.
A genética por trás do TDAH
O componente genético do TDAH é um dos mais fortes entre os transtornos psiquiátricos. A pesquisa revelou que:
- 80% da predisposição ao TDAH é herdada – isso explica por que frequentemente vemos vários casos na mesma família
- Variantes genéticas comuns explicam cerca de 14% da variabilidade do transtorno
- Um estudo de sequenciamento genético com trios (pais e filho) identificou o gene KDM5B como associado ao TDAH, descoberta confirmada posteriormente por outros pesquisadores internacionais
Exemplo prático: Na família Martinez, o pai sempre foi desorganizado e impulsivo, embora nunca diagnosticado. Dos três filhos, dois foram diagnosticados com TDAH. O estudo genético ajuda a explicar esse padrão familiar e abre caminho para tratamentos mais personalizados no futuro.
Como aplicar essas descobertas na vida real?
As descobertas da tese do Dr. Farrahil têm implicações práticas importantes:
- Para pais de crianças pequenas com TDAH: Há evidências de que o tratamento medicamentoso pode ser seguro e eficaz, quando necessário, mesmo antes dos 6 anos. Converse com um especialista em TDAH infantil.
- Para adultos em tratamento: Não se surpreenda se seu médico sugerir um aumento gradual da dose do medicamento para alcançar o efeito ideal. O importante é o monitoramento cuidadoso dos benefícios e possíveis efeitos colaterais.
- Para pessoas com TDAH em risco de depressão: Além do tratamento dos sintomas principais, é fundamental abordar as dificuldades emocionais, sociais e acadêmicas/profissionais para prevenir problemas depressivos.
- Para profissionais de saúde: O diagnóstico deve considerar como o TDAH se manifesta diferentemente por idade e gênero, evitando o subdiagnóstico em meninas e adultos.
Conclusão: um futuro mais promissor
A tese premiada do Dr. Farrahil representa um avanço significativo na compreensão do TDAH e tem o potencial de melhorar a vida de milhões de pessoas afetadas por esse transtorno. Com melhor diagnóstico, tratamento otimizado e conhecimento mais profundo dos mecanismos biológicos, caminhamos para um futuro onde o TDAH seja não apenas melhor controlado, mas também menos estigmatizado.
O conhecimento é poder – especialmente quando se trata de transtornos do neurodesenvolvimento. Quanto mais entendemos o TDAH, melhor podemos ajudar quem convive com essa condição a alcançar seu pleno potencial.
Este artigo foi adaptado da tese de doutorado de Luiz Carlos Farrahil, MD, PhD, premiada pela CAPES e USP, que consistiu em seis estudos sobre o TDAH abrangendo diagnóstico, farmacoterapia, genética e comorbidades psiquiátricas.