Resumo
A neuropsicologia, como campo de interseção entre neurociência e psicologia, tem experimentado avanços significativos nas últimas décadas, ampliando sua relevância na prática clínica. Este artigo integra conhecimentos neurobiológicos atuais com exemplos práticos da atuação do neuropsicólogo em diversos contextos, destacando como os avanços neurocientíficos têm transformado a compreensão, avaliação e intervenção em transtornos neuropsiquiátricos. São abordadas estratégias de psicoeducação baseadas em modelos híbridos, técnicas de avaliação e reabilitação neuropsicológica, além de neurotecnologias emergentes. O texto enfatiza a importância de uma visão transdisciplinar que integre conhecimentos sobre circuitos cerebrais, processos psicológicos e variáveis ambientais, projetando um futuro onde intervenções personalizadas e baseadas em biomarcadores neurais possam otimizar o tratamento de diversas condições que afetam o funcionamento cognitivo, comportamental e emocional.
Palavras-chave: neuropsicologia clínica, neurociência aplicada, reabilitação cognitiva, neuroplasticidade, neurotecnologias
1. Introdução
A neurociência tem avançado significativamente nas últimas décadas, proporcionando uma compreensão cada vez maior sobre os mecanismos cerebrais associados aos transtornos neuropsiquiátricos. Embora historicamente a prática clínica em psiquiatria e psicologia tenha operado de forma relativamente independente desses conhecimentos, esse cenário está mudando rapidamente (Insel et al., 2015). Profissionais da neuropsicologia clínica encontram-se particularmente bem posicionados para integrar conhecimentos neurobiológicos com a prática psicológica, atuando como mediadores entre avanços científicos e aplicações terapêuticas.
O neuropsicólogo contemporâneo atua em um cenário onde os conhecimentos sobre o funcionamento cerebral e suas correlações comportamentais são cada vez mais refinados e aplicáveis. Este profissional especializado utiliza métodos científicos para avaliar, diagnosticar e reabilitar alterações cognitivas, comportamentais e emocionais relacionadas ao funcionamento cerebral, integrando perspectivas neurobiológicas e psicológicas em sua abordagem (Lezak et al., 2012).
Este artigo explora como a neurociência já influencia a prática clínica em neuropsicologia e de que maneira sua integração é essencial tanto para a formação quanto para a atuação destes profissionais. Serão apresentados exemplos concretos de aplicações práticas em diversos contextos clínicos, considerando as mais recentes integrações entre neurociência e prática psicológica, além de projetar perspectivas futuras para o campo.
2. Fundamentos Teóricos: O Cérebro como Base da Intervenção Psicológica
2.1 Modelos Explicativos Híbridos na Psicoeducação
Um dos primeiros e mais significativos impactos da neurociência na prática clínica não está em exames ou tratamentos sofisticados, mas na psicoeducação. Muitos pacientes interpretam seus sintomas segundo modelos exclusivamente psicológicos ou exclusivamente biológicos, o que pode influenciar sua adesão e resposta ao tratamento (Kemp et al., 2014). Evidências mostram que pacientes que acreditam que sua ansiedade tem origem predominantemente biológica respondem melhor a medicamentos, enquanto os que atribuem causas psicológicas respondem melhor à psicoterapia.
O neuropsicólogo moderno pode utilizar modelos explicativos híbridos que integram ambas as perspectivas. Por exemplo, ao explicar a um paciente com transtorno de ansiedade que a psicoterapia promove mudanças reais no cérebro por meio da plasticidade sináptica, e que os medicamentos ajudam a modular circuitos neurais para melhorar o processamento de informações emocionais, o profissional oferece uma narrativa coerente e motivadora que legitima ambas as abordagens (Benedetti, 2014).
2.2 O Cérebro como Rede de Processamento de Informações
Conceituar o cérebro como uma rede dinâmica que processa informações ajuda pacientes e clínicos a visualizarem a saúde mental de forma menos dualista. Problemas emocionais e cognitivos podem ser compreendidos como “ruídos” ou desequilíbrios nos sistemas de processamento de informações, o que facilita a aceitação de intervenções multimodais (Sporns, 2011).
No Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), por exemplo, um pensamento intrusivo leva a uma reação emocional exagerada, que gera comportamentos repetitivos para aliviar o desconforto, reforçando o ciclo. Entender esse circuito como uma rede neural hiperativada, envolvendo estruturas como o córtex orbitofrontal, o núcleo caudado e o tálamo, ajuda o paciente a aceitar intervenções tanto cognitivas quanto farmacológicas (Milad & Rauch, 2012).
2.3 Plasticidade Sináptica como Base da Intervenção Neuropsicológica
A plasticidade sináptica, mecanismo pelo qual o cérebro se modifica em resposta à experiência, fornece a base neurobiológica para compreender como intervenções psicológicas podem promover mudanças duradouras no funcionamento cerebral. A aprendizagem modifica as sinapses cerebrais, e as intervenções neuropsicológicas, ao proporem novos significados, práticas e estratégias, induzem mudanças sinápticas reais (Cramer et al., 2011).
Isso fortalece a legitimidade das intervenções psicológicas até mesmo para pacientes céticos em relação à “fala” como ferramenta terapêutica. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), por exemplo, pode ser apresentada como “exercício cerebral”, treinando circuitos neurais para reduzir padrões disfuncionais, assim como o exercício físico fortalece músculos (DeRubeis et al., 2008).
3. Exemplos Práticos de Atuação em Neuropsicologia Clínica
3.1 Avaliação Neuropsicológica Integrada
A avaliação neuropsicológica contemporânea vai além da aplicação de testes padronizados, incorporando conhecimentos sobre circuitos cerebrais e suas correlações comportamentais para formular hipóteses diagnósticas mais precisas.
Caso prático: Um homem de 58 anos apresenta queixas de esquecimentos frequentes, dificuldade para encontrar palavras e irritabilidade aumentada. Sua esposa relata que estes sintomas vêm progredindo gradualmente nos últimos dois anos.
Atuação do neuropsicólogo:
- Realiza entrevista clínica detalhada, incluindo histórico médico, familiar e ocupacional
- Aplica bateria de testes cognitivos específicos (memória episódica, função executiva, linguagem, atenção)
- Utiliza escalas de sintomas comportamentais e emocionais
- Integra resultados com exames de neuroimagem (quando disponíveis)
- Elabora hipótese diagnóstica diferencial entre Comprometimento Cognitivo Leve, início de demência ou alterações cognitivas relacionadas a depressão
O diferencial do neuropsicólogo neste caso é sua capacidade de correlacionar os déficits observados com sistemas cerebrais específicos, como o circuito hipocampal na memória episódica ou os circuitos frontosubcorticais nas funções executivas, auxiliando no diagnóstico precoce e direcionamento terapêutico (Weintraub et al., 2012).
3.2 Reabilitação Neuropsicológica Pós-AVC
A reabilitação neuropsicológica após lesões cerebrais exemplifica como conhecimentos sobre neuroplasticidade podem ser aplicados para maximizar a recuperação funcional.
Caso prático: Uma mulher de 45 anos sofreu AVC isquêmico em território da artéria cerebral média esquerda, resultando em afasia expressiva e déficits de memória de trabalho.
Atuação do neuropsicólogo:
- Desenvolve programa personalizado de reabilitação baseado no perfil cognitivo identificado
- Implementa treino específico de nomeação e fluência verbal, aproveitando a janela de maior plasticidade neural pós-lesão
- Utiliza técnicas compensatórias para contornar déficits persistentes
- Incorpora tecnologia assistiva e aplicativos específicos para treino domiciliar
- Realiza psicoeducação com familiares sobre como estimular a comunicação em ambiente natural
Neste exemplo, o neuropsicólogo aplica conhecimentos sobre neuroplasticidade cerebral dependente de uso, intervalos de recuperação espontânea e mecanismos compensatórios, aproveitando janelas de maior recuperação neurológica para potencializar resultados (Cicerone et al., 2019).
3.3 Intervenção em TDAH com Abordagem Multimodal
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) representa um exemplo de condição onde a integração de conhecimentos neurocientíficos beneficia diretamente a intervenção.
Caso prático: Um estudante de 12 anos apresenta dificuldades significativas de atenção sustentada, impulsividade e organização, comprometendo seu desempenho escolar.
Atuação do neuropsicólogo:
- Conduz avaliação neuropsicológica para caracterizar o perfil atencional e executivo
- Implementa treino de funções executivas com tarefas hierárquicas de complexidade crescente
- Utiliza técnicas de neurofeedback para autoregulação da atividade neural frontal
- Desenvolve estratégias metacognitivas adaptadas ao contexto escolar
- Orienta pais e professores sobre adaptações ambientais e pedagógicas
O neuropsicólogo neste caso integra conhecimentos sobre circuitos frontoestriatais e redes atencionais, valorizando tanto intervenções diretas sobre as funções prejudicadas quanto modificações contextuais que facilitam o desempenho (Rapport et al., 2013).
3.4 Avaliação e Manejo de Sequelas Neuropsicológicas Pós-COVID
A pandemia de COVID-19 apresentou novos desafios aos neuropsicólogos, exigindo adaptação de conhecimentos para compreender e tratar sequelas cognitivas.
Caso prático: Uma profissional de 38 anos, após COVID-19 moderada, apresenta “névoa mental”, fadiga cognitiva e dificuldades de concentração que persistem há 6 meses.
Atuação do neuropsicólogo:
- Realiza avaliação específica de funções cognitivas frequentemente afetadas na COVID longa (atenção, velocidade de processamento, memória de trabalho)
- Diferencia alterações neurológicas de impactos psicológicos da pandemia
- Implementa programa de reabilitação cognitiva gradual com monitoramento da fadiga
- Desenvolve estratégias de economia cognitiva para gestão de energia mental
- Orienta sobre técnicas para redução da inflamação sistêmica que pode afetar o funcionamento cerebral
Este exemplo demonstra como o neuropsicólogo se adapta a novos desafios clínicos, integrando conhecimentos emergentes sobre neuroinflamação e seu impacto nas funções cognitivas (Almeria et al., 2020).
3.5 Integração de Neurotecnologias e Psicoterapia
As neurotecnologias emergentes representam uma fronteira promissora para a neuropsicologia clínica, permitindo modular diretamente a atividade neural para potencializar intervenções psicológicas.
Caso prático: Um paciente de 42 anos com depressão resistente a tratamentos convencionais é encaminhado após resposta parcial a medicamentos e psicoterapia.
Atuação do neuropsicólogo:
- Avalia o perfil cognitivo-emocional, identificando déficits executivos associados à depressão
- Recomenda e acompanha tratamento com Estimulação Magnética Transcraniana (TMS) no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo
- Programa sessões de terapia cognitivo-comportamental logo após as sessões de TMS, aproveitando a janela de maior plasticidade
- Utiliza técnicas de mindfulness para melhora da regulação emocional
- Monitora ganhos cognitivos e sintomatologia depressiva com instrumentos específicos
Neste exemplo, o neuropsicólogo atua na fronteira da integração entre neurociência e psicoterapia, utilizando a neuromodulação como potencializador das intervenções psicológicas (Brunoni et al., 2017).
3.6 Reabilitação em Demências com Uso de Tecnologia
As intervenções neuropsicológicas em demências têm evoluído para incorporar conhecimentos sobre reserva cognitiva e compensação neural.
Caso prático: Um idoso de 74 anos com diagnóstico recente de Doença de Alzheimer em fase inicial busca intervenções para manter sua autonomia pelo maior tempo possível.
Atuação do neuropsicólogo:
- Caracteriza precisamente o perfil cognitivo preservado e comprometido
- Implementa treino cognitivo computadorizado adaptativo, focando em funções preservadas
- Utiliza realidade virtual para treino de atividades instrumentais da vida diária
- Desenvolve estratégias compensatórias externas (agenda eletrônica, lembretes)
- Orienta familiares sobre estimulação cognitiva ecológica em casa
O neuropsicólogo aplica conhecimentos sobre reserva cognitiva e compensação neural, utilizando tecnologia como aliada no processo de reabilitação e manutenção funcional (Bahar-Fuchs et al., 2019).
3.7 Avaliação Neuropsicológica Forense
A neuropsicologia forense representa uma área de atuação especializada que aplica conhecimentos sobre relações cérebro-comportamento no contexto legal.
Caso prático: Um adulto de 63 anos tem sua capacidade civil questionada judicialmente após decisões financeiras controversas e comportamento aparentemente impulsivo.
Atuação do neuropsicólogo:
- Realiza avaliação neuropsicológica forense abrangente
- Utiliza testes específicos para julgamento, tomada de decisão e funções executivas
- Avalia coerência dos resultados e esforço do examinando
- Analisa capacidades específicas para diferentes tipos de decisão (financeira, cuidados de saúde, etc.)
- Elabora laudo técnico fundamentado, relacionando achados cognitivos com a questão legal específica
Neste contexto, o neuropsicólogo atua como perito, traduzindo o conhecimento sobre funções frontais e tomada de decisão para o contexto jurídico (Sweet & Guidotti Breting, 2013).
4. Neurotecnologias Emergentes na Prática Neuropsicológica
4.1 Estimulação Cerebral Não-Invasiva
Intervenções como Estimulação Magnética Transcraniana (TMS) e Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS) já são realidade em alguns centros clínicos, sendo incorporadas em protocolos de reabilitação neuropsicológica. Em transtornos como o TOC, por exemplo, a estimulação do córtex orbitofrontal — hiperativo nessa condição — tem mostrado eficácia (Carmi et al., 2018).
O neuropsicólogo pode recomendar TMS direcionada ao local correto no cérebro para complementar a psicoterapia, aumentando a plasticidade e potencializando o aprendizado emocional. Em casos de afasia pós-AVC, a estimulação de áreas perilesionais pode facilitar a reorganização cortical e potencializar os efeitos da terapia (Harvey et al., 2019).
4.2 Neurofeedback e Autoregulação Neural
O neurofeedback representa uma aplicação direta de conhecimentos neurocientíficos, permitindo que indivíduos aprendam a modular sua própria atividade cerebral a partir de feedback em tempo real. Estudos com neurofeedback baseado em ressonância magnética funcional (fMRI) têm mostrado que pessoas podem aprender a modular regiões cerebrais específicas associadas ao sofrimento emocional, promovendo autogestão de sintomas (Sitaram et al., 2017).
Na prática neuropsicológica, o neurofeedback pode ser utilizado para treinar autoregulação em condições como TDAH, epilepsia, ansiedade e transtornos do espectro autista. O neuropsicólogo avalia o perfil eletrofisiológico do paciente, estabelece protocolos personalizados de treinamento e monitora mudanças comportamentais associadas à autoregulação neural.
4.3 Realidade Virtual e Aumentada na Reabilitação
Tecnologias de realidade virtual e aumentada oferecem oportunidades para criar ambientes controlados onde habilidades cognitivas podem ser treinadas em contextos ecologicamente válidos. Estes ambientes permitem simular atividades da vida diária com níveis graduados de complexidade e distração, facilitando a generalização de ganhos para o mundo real (Rizzo et al., 2019).
O neuropsicólogo pode utilizar estas tecnologias para reabilitação de funções visuoespaciais em pacientes com negligência unilateral, treinamento de memória prospectiva em casos de traumatismo cranioencefálico, ou exposição gradual para transtornos de ansiedade, monitorando respostas comportamentais e fisiológicas em tempo real.
5. Avanços Conceituais e Diagnósticos
5.1 Da Sintomatologia à Bioassinatura
Modelos diagnósticos baseados apenas em sintomas, como o DSM-5, estão sendo gradualmente complementados por abordagens que consideram circuitos cerebrais, padrões genéticos e fatores ambientais. O modelo Hierarchical Taxonomy of Psychopathology (HiTOP) e a pesquisa de biotipos na esquizofrenia e no transtorno bipolar exemplificam esta tendência (Kotov et al., 2017).
Na prática neuropsicológica, isto implica na busca por marcadores neurocognitivos que possam identificar subtipos de transtornos e prever respostas a intervenções específicas. Um futuro próximo pode incluir exames funcionais para identificar subtipos cerebrais de transtornos, permitindo intervenções personalizadas desde o início do tratamento.
5.2 Abordagem Dimensional das Funções Cognitivas
A neuropsicologia contemporânea tem adotado uma visão cada vez mais dimensional das funções cognitivas, reconhecendo que alterações em domínios como atenção, memória ou funções executivas existem em um contínuo que atravessa diferentes diagnósticos (Harvey et al., 2017).
Esta abordagem dimensional facilita a identificação de perfis cognitivos específicos que podem ser alvo de intervenções personalizadas, independentemente dos rótulos diagnósticos. Por exemplo, déficits de controle inibitório podem estar presentes tanto no TDAH quanto no TOC ou na dependência química, mas com características específicas que demandam estratégias de intervenção diferenciadas.
6. Desafios e Perspectivas Futuras
6.1 Fronteiras Terapêuticas: Psicofarmacologia, Neuroestimulação e Psicoterapia
O futuro da neuropsicologia clínica aponta para uma integração cada vez maior entre diferentes modalidades terapêuticas. Drogas como psicodélicos, novos antipsicóticos, e dispositivos de estimulação cerebral responsiva (semelhantes a marcapassos cerebrais) estão sendo testados como aliados de intervenções psicológicas, potencializando os efeitos com base no momento de maior receptividade neural (Carhart-Harris & Friston, 2019).
Um cenário promissor inclui sessões de psicoterapia precedidas por estimulação cerebral leve ou medicamentos que aumentam a plasticidade neural, maximizando a capacidade de mudança. O neuropsicólogo do futuro poderá coordenar estas intervenções multimodais, monitorando biomarcadores que indiquem os momentos ideais para cada tipo de intervenção.
6.2 Integração Cérebro–Ambiente: O Desafio das Variáveis Invisíveis
Um dos maiores desafios para a neuropsicologia contemporânea é a mensuração adequada de variáveis ambientais e seu impacto na neurobiologia. Eventos como traumas, abandono, privação econômica e exposição a estressores moldam profundamente o cérebro, mas ainda não dispomos de ferramentas precisas para quantificar estes impactos (McLaughlin et al., 2019).
A ciência precisa desenvolver métodos melhores para mapear o impacto da vida na neurobiologia, considerando fatores culturais, sociais e históricos que modulam o desenvolvimento neuropsicológico. O neuropsicólogo contemporâneo deve estar atento a estas variáveis contextualizing, buscando abordagens culturalmente sensíveis e ecologicamente válidas.
6.3 Medicina de Precisão em Neuropsicologia
A tendência para medicina de precisão, onde intervenções são personalizadas com base em características biológicas individuais, também se aplica à neuropsicologia. O desenvolvimento de algoritmos preditivos baseados em perfis neurocognitivos, neuroimagem funcional e biomarcadores pode permitir a identificação precoce de indivíduos em risco para determinadas condições e a seleção da intervenção com maior probabilidade de sucesso (Williams et al., 2016).
Isto não significa abandono da abordagem qualitativa e idiográfica, mas sua complementação com métodos quantitativos que permitam decisões mais objetivas e baseadas em evidências. O neuropsicólogo do futuro provavelmente utilizará sistemas de apoio à decisão que integram múltiplas fontes de dados para recomendar as intervenções mais promissoras para cada caso específico.
7. Conclusão
A neuropsicologia clínica representa uma das áreas mais dinâmicas na interface entre neurociência e prática psicológica. O neuropsicólogo contemporâneo não apenas avalia e diagnostica, mas atua como mediador entre o conhecimento neurobiológico e as intervenções psicológicas, integrando perspectivas que antes eram vistas como antagônicas.
Conforme destacado ao longo deste artigo, a neurociência não substitui a empatia, o vínculo terapêutico ou a escuta clínica. No entanto, ela fornece uma base objetiva, integradora e incrementalmente eficaz para potencializar essas dimensões essenciais da prática clínica. O futuro da neuropsicologia será cada vez mais transdisciplinar, unindo cérebro, mente e sociedade em um mesmo campo de cuidado.
A potência da neuropsicologia reside justamente nesta capacidade de integração: compreender mecanismos cerebrais sem perder de vista o indivíduo em seu contexto, aplicar tecnologias avançadas sem negligenciar o vínculo terapêutico, e desenvolver intervenções precisas que respeitem a complexidade humana. Os exemplos apresentados neste artigo demonstram como esta integração já é realidade na prática clínica, com perspectivas promissoras para o futuro da profissão.
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